Jornalismo do cidadão
Definição e contextualização
Jornalismo do cidadão é o acto de os cidadãos terem um papel activo no processo de recolha, reportagem, análise e disseminação de notícias e informação.
Bowman e Willis
Os cidadãos – jornalistas são as pessoas antigamente conhecidos como a audiência.
Jay Rosen
Nos últimos anos tem vindo a surgir uma novidade difícil de ser ignorada. Por todo o mundo, os media tradicionais estão a ser transformados por um competidor que não existia antes: a própria sociedade. A esta novidade tem-se dado o nome de jornalismo do cidadão.
O jornalismo do cidadão refere-se a qualquer forma de conteúdo produzido por cidadãos e divulgado sobretudo através de novas tecnologias, tais como a Internet, telemóveis, PDA’s, etc. Trata-se, portanto, de uma forma de comunicação onde a informação é produzida pelo cidadão comum, cuja principal ocupação não é a produção jornalística, ou seja, pode ser considerado um "jornalismo amador".
Segundo os jornalistas Ana Cármen Foschini e Roberto Romano Taddei (2006), autores da colecção “Conquiste a rede”, o jornalismo do cidadão refere-se, também, à crescente possibilidade de escolha de informação proporcionada pelas novas ferramentas de publicação. Agora, o público pode ignorar as notícias que os media tradicionais consideram como relevantes. Com as novas tecnologias, o público pode criar os seus próprios fluxos de informação, expondo-se apenas às fontes de informação que escolher.
Os principais factores que explicam o crescimento exponencial deste movimento são: o baixo custo envolvido na implantação de um projecto de jornalismo do cidadão; a popularização das tecnologias de informação e comunicação (TIC) e a consequente facilidade no acesso à Internet, fazendo com que o capital necessário para “abrir” um jornal-cidadão seja praticamente nulo e que a divulgação do trabalho seja mais fácil (enviar e-mails, anunciar em fóruns, etc).
O fenómeno do jornalismo do cidadão está em pleno desenvolvimento, existindo, assim, várias formas de denominá-lo. As mais usadas são:
grassroots journalism, jornalismo participativo, jornalismo colaborativo e jornalismo
open source. Estas designações são, portanto, outros nomes para o mesmo conceito. No entanto, alguns autores apontam diferenças entre cada designação. É o caso dos jornalistas brasileiros Ana Carmen Foschini e Roberto Romano Taddei. Para eles,
grassroots journalism refere-se à participação na produção e publicação de conteúdo na Web das camadas periféricas da população, aquelas que geralmente não participam das decisões da sociedade. Jornalismo participativo, por sua vez, define, por exemplo, a produção dos
media tradicionais que inclui comentários dos leitores. Por outro lado, o jornalismo colaborativo é usado quando mais de uma pessoa contribui para o resultado final do que é publicado. Finalmente, dá-se o nome de jornalismo
open source quando é possível a qualquer utilizador alterar o conteúdo de uma página.
Segundo a Wikipedia, o movimento jornalismo do cidadão começou a emergir após as eleições presidenciais de 1998 nos Estados Unidos. Surgiu devido à desilusão popular em relação à forma como o processo tinha sido conduzido pelos media tradicionais. Após os atentados do 11 de Setembro de 2001, a blogosfera expandiu-se de uma forma nunca antes vista. Segundo Dan Gillmor (2004), “o dia ficou congelado no tempo mas as explosões dos aviões contra aquelas torres trouxeram uma redobrada onda de calor ao glaciar dos meios de comunicação e o gelo continua a derreter-se”. Outros acontecimentos internacionais evidenciaram a cobertura jornalística por amadores. A 7 de Julho de 2005, a força e o potencial do jornalismo do cidadão tornaram-se muito claros devido aos atentados no metro de Londres. Pouco tempo depois das explosões, começaram a circular imagens na Internet vindas directamente dos telemóveis de muitas pessoas que haviam testemunhado o acontecimento. O mesmo aconteceu com o tsunami em 2004.
Segundo Lasica, co-fundador e director executivo do site Ourmedia.org, o jornalismo do cidadão pode dividir-se em cinco principais modalidades. A primeira consiste na participação da audiência nos
media noticiosos
main-stream. Nesta modalidade, incluem-se os comentários dos utilizadores a notícias, blogues pessoais, fotos ou vídeos captados através de câmeras pessoais ou notícias locais escritas por residentes de uma comunidade. A segunda modalidade refere-se a sites independentes de notícias e informação e a terceira a sites participativos de notícias. A quarta consiste nos
media leves ou
thin media, ou seja, as mailing list e newsletters por e-mail. Por fim, a quinta modalidade está ligada aos sites pessoais ou
broadcasting (áudio e vídeo).
O fenómeno do jornalismo do cidadão só foi possível em grande medida devido à Internet. Ferramentas aliadas à Web criaram novos espaços para a comunicação, permitindo que a divulgação do que foi produzido seja simples, com baixo custo e ao alcance de todos. Há ferramentas para quem quer trabalhar com texto, som, fotos, vídeos e até mesmo para quem não tem computador, mas tem um telemóvel capaz de aceder à Internet. Neste trabalho, irei definir algumas das principais ferramentas utilizadas pelos “jornalistas cidadãos”.
Os blogues (abreviação de weblogues) são, muitas vezes, comparados aos panfletos do século XIX. Esta foi a primeira ferramenta a tornar mais fácil a publicação na Internet. Segundo Dan Gillmor (2004), um blogue é “um jornal online, composto de hiperligações e apontamentos em ordem cronológica invertida, o que quer dizer que o apontamento mais recente é o que ocupa o topo da página”. Os blogues são fáceis de actualizar e a sua oferta como serviço gratuito na Internet é cada vez maior, o que faz com que este seja a ferramenta de comunicação por excelência dos cidadãos digitais.
Os photoblogs (blogues de fotos) são, como o próprio nome indica, blogues feitos com fotos. Com a popularização das máquinas fotográficas digitais e dos telemóveis com câmeras o seu número cresceu. Os flogs (abreviação de photoblogs) actualizados através dos telemóveis são chamados de moblogs.
Os vlogs (blogues de vídeo) são compostos por vídeos. Este fenómeno tem vindo a evoluir rapidamente, visto a maioria das máquinas digitais e telemóveis já conseguirem capturar imagens em movimento.
Aos blogues de áudio dá-se o nome de podcasting. Podcast é uma forma de distribuir arquivos digitais pela Internet. A palavra resultou da fusão de duas palavras: iPod e
broadcast (“transmissão” em inglês).
Segundo Whatls.com (citado por Dan Gillmor),um dicionário online de informação tecnológica, um wiki é “um programa servidor que permite que os utilizadores colaborem na formação do conteúdo de um sítio da Web. Com um wiki qualquer utilizador pode editar conteúdo do sítio, incluindo as contribuições dos outros utilizadores, bastando para isso usar um motor de busca normal". O exemplo mais conhecido que utilize esta ferramenta é a Wikipedia, uma enciclopédia virtual que surgiu em 2001, escrita e actualizada pelos utilizadores.
O já conhecido serviço SMS (serviço de mensagens curtas disponibilizado por todas as redes de telecomunicações) tem sido muito utilizado para veicular, principalmente, notícias sensacionalistas.
O RSS (Really Simple Syndication) é um formato de distribuição de conteúdos. Uma das razões que torna o RSS tão importante é o facto de o utilizador controlar as operações. O RSS permite que os leitores de blogues e outros tipos de páginas tenham os seus computadores, ou outros dispositivos, ligados, de forma a recolherem automaticamente os conteúdos que lhes interessem.
As listas de e-mail consistem em trocar e-mails. Esta ferramenta é bem explorada quando as listas reúnem pessoas com interesses em comum. Por outro lado, o fórum é um espaço na Web para discussões e troca de ideias, onde os utilizadores podem deixar comentários, questões e críticas. Estas duas ferramentas estão entre as formas mais antigas de agrupamento e prática do jornalismo do cidadão.
Vários são os exemplos de sucesso deste novo modelo, exemplos esses que utilizam, como é óbvio, muitas das ferramentas já enunciadas.
O
Wikinews é um projecto de notícias livres onde qualquer pessoa pode escrever, criar, ampliar ou editar um artigo. Segue o mesmo modelo que a Wikipedia, ou seja, o modelo wiki.
A
Indymedia (Independent Media Center) é uma rede internacional de produtores de informação livre e independente de interesses empresariais ou governamentais. Utiliza um sistema semelhante a uma página wiki.
O
Ohmynews foi fundado em 2000 por Oh Yeon Ho na Coreia do Sul. Foi o primeiro ciberjornal no mundo a aceitar, editar e publicar artigos dos seus leitores. A maioria dos artigos é escrita pelos cidadãos (cerca de 41 mil). Hoje em dia, o Ohmynews é considerado o mais influente site de notícias sul-coreano.
O movimento do jornalismo do cidadão tem sido alvo de diversas discussões por parte dos “cidadãos repórteres” e dos jornalistas tradicionais. Mais do que discutir o termo “cidadão”, tem sido discutido se realmente se deve considerar este modelo como um novo tipo de jornalismo. A respeito desta discussão, Nemo Nox (2006) (citado por Marcelo Cardoso e Rafael Andrade), pseudónimo do autor do blog “Por um Punhado de Pixels”, lança algumas questões pertinentes:
Porquê jornalismo cidadão? Um jornalismo praticado por cidadãos? E não são cidadãos os jornalistas ao serviço dos grandes jornais e das redes de televisão? O que os diferencia em termos de cidadania dos outros jornalistas? Ou seria jornalismo cidadão somente um eufemismo para jornalismo amador? Ou para jornalismo independente das grandes corporações?
E as opiniões divergem…
Se não gosta das notícias…levante-se e trate de arranjar outras.
Wes “Scoop” Nisker
Alguns autores defendem com entusiasmo o novo modelo denominado por jornalismo do cidadão, considerando-o, realmente, um novo tipo de jornalismo: o cidadão como produtor e divulgador de informação, ou seja, jornalista.
Um desses autores é Dan Gillmor, um dos mais respeitados jornalistas e pensadores sobre os novos meios de comunicação. Gillmor trata toda esta questão do jornalismo do cidadão no seu livro “Nós, os Media”. O próprio Gillmor escreve na introdução do livro: “Este livro tem por tema a transfomação do jornalismo, de um meio de comunicação de massas do século XX até algo mais profundamente cívico e democrático”. O autor diz ainda: “A tecnologia dotou-nos de um conjunto de ferramentas de comunicação capaz de nos transformar a todos em jornalistas, com custos reduzidos e, em teoria, com acesso a um público global”.
Dan Gillmor aponta três grupos de interesse num mundo em que, segundo ele, qualquer pessoa pode produzir informação. Dantes separados, estes grupos estão, com este novo modelo, a misturar-se. O primeiro grupo, os jornalistas, devem, segundo Gillmor, usar as ferramentas do jornalismo do cidadão. Em relação ao segundo grupo, o objecto das notícias, Gillmor defende que num mundo em que qualquer um pode ser jornalista, várias pessoas vão tentar sê-lo e, consequentemente, irão encontrar pormenores que escapam aos profissionais. Por fim, o terceiro grupo, os antigos receptores, está a aprender, segundo o autor, a forma de conseguir melhores reportagens, quando mais lhe convém. Está, também, a integrar-se no processo jornalístico, ajudando a alargar o debate de ideias e, em muito casos, a fazer melhor trabalho do que os profissionais.
Gillmor defende, ainda, que o jornalismo empresarial, dominante nos dias de hoje, está a diminuir a qualidade noticiosa para fazer subir os lucros a curto prazo. Por outro lado, o jornalismo sério e o serviço público ficam, muitas vezes, esquecidos. Estes factos deixam um vazio informativo que, especialmente, os “cidadãos – jornalistas” estão a ocupar.
No entanto, Dan Gillmor não concorda com o que Winner, criador do
Manila, um dos primeiros programas que facilitam a criação de blogues, disse quando insinuou que o jornalismo tradicional iria claudicar perante o novo meio que ele ajudara a criar.
Outros especialistas defendem a mesma ideia de Dan Gillmor. É o caso de Oh Yeon Ho, criador do site noticioso Ohmynews e jornalista de profissão. Oh (citado por Dan Gillmor) escreveu a 22 de Fevereiro de 2000, ao anunciar o portal de informação Ohmynews: “Cada cidadão é um repórter. Os jornalistas não são uma qualquer espécie exótica, são pessoas que procuram trabalhar com coisas novas, pô-las por escrito e partilhá-las com outras pessoas”. Por sua vez, Jeff Jarvis (citado por Dan Gillmor), um bloguista prolífico que dirige a operação Online Advance.net da Publications’Advance afirma: “Cada vez mais, o jornalismo será uma coutada do público. O que não significa que deixe de haver lugar para os jornalistas profissionais, que terão sempre de existir – há necessidade de que existam – para recolherem factos, para fazerem perguntas com uma certa disciplina e para se dirigirem a um público mais vasto. O que tenho vindo a aprender é que este público, se tiver opurtonidades, tem muito para dizer. A Internet é o primeiro meio de informação de que o público é o proprietário, o primeiro meio que deu voz ao público”. Também Lasica (2002) defende o jornalismo do cidadão como uma nova forma de jornalismo. Lasica é muito explicito na sua justificação: “To me, a journalist is anyone who is an eyewitness to events our an interpreter of events and who reports it as honestly and accurately as possible. Period”.
It’s time to stop this silly stuff about replacing big media. Rick Edmonds
Assim como existe quem defenda a denominação de “jornalismo do cidadão” a este novo modelo, também há quem não concorde com ela.
Chris Carroll (2006), director das publicações estudantis na Universidade de Nashville no Tennesse, defende que o jornalismo do cidadão ideal existe apenas aos olhos de alguns bloggers . Segundo Carroll, no “mundo real” algumas deficiências no conceito têm vindo a ser identificadas. Em relação à parcialidade, Carroll argumenta que, em alguns casos, opiniões pessoais sobre assuntos polémicos ou notícias publicadas por pessoas envolvidas em movimentos sociais podem não reflectir a verdade dos factos, transformando a informação em opinião crítica. Por outro lado, segundo Carroll, embora o jornalismo do cidadão seja um instrumento válido quando bem utilizado, a linha divisória entre o que é interessante para a comunidade e a informação banal e desnecessária é extremamente ténue. A ausência de informação importante aliada à necessidade de actualização produz um jornalismo superficial. Por fim, mas não menos importante, Carroll fala na credibilidade. É devido a este factor que parte do público retoma, muitas vezes, à segurança transmitida pelos media tradicionais. Segundo Carroll, culturalmente é mais seguro confiar numa organização maior, com experiência e história do que numa iniciativa independente, conduzida por um ou mais desconhecidos.
Chris Carroll afirma, ainda, que não há dúvidas de que algo novo surgiu nos últimos anos e de que as redacções tradicionais vão ter que interagir com este modelo. No entanto, Carroll defende que a ideia do jornalismo do cidadão a substituir o jornalismo tradicional está condenada ao fracasso.
Outros especialistas defendem o mesmo ponto de vista que Chris Carroll. É o caso de Joan Connell, produtor executivo da MSNBC.com, que defende que os
bloggers não são jonalistas porque não há um editor entre o autor e os leitores: “I would submit that (the newsroom) editing function really is the factor that makes it journalism”.
Conclusão
O jornalismo do cidadão tem vindo, sem dúvida, a desenvolver-se nos últimos anos. Desde o 11 de Setembro, passando pelos ataques no metro de Londres e pelo tsunami, ambos em 2005, este conceito deu um “salto” enorme. Os media tradicionais, dando-se conta deste constante desenvolvimento, estão a rever a sua posição e, na impossibilidade de derrotar este novo inimigo, estão a juntar-se a ele. Assim sendo, é óbvio que o jornalismo do cidadão trouxe consigo grandes mudanças ao jornalismo tradicional por todo o mundo.
Na minha opinião, embora o jornalismo do cidadão não possa ser considerado uma nova forma de jornalismo, este torna-se útil aos
media tradicionais, que têm agora milhares (ou até mesmo milhões) de aliados na tarefa de apurar factos, conhecer novidades e reunir e comentar informações. Defendo que o jornalismo do cidadão não exclui a produção dos jornalistas profissionais, mas acrescenta a ela a contribuição de cidadãos testemunhas de factos importantes, que estão no lugar certo à hora certa, e de especialistas que podem falar melhor sobre determinado assunto. Por outro lado, este novo modelo promove uma relação mais próxima entre quem transmite a informação e quem a recebe.
Concluindo, na minha opinião, o jornalismo do cidadão deveria ser denominado de “cidadão que participa na recolha, tratamento e divulgação da informação”. No entanto, esta seria uma denominação muito extensa, portanto defendo a designação de “jornalismo interactivo” como a mais adequada, no sentido do cidadão e do jornalista desenvolverem uma relacção de interactividade um com o outro.
Referências
- Gillmor, Dan (2004) - “Nós, os Media”,
- Cardoso, Marcelo e Andrade, Rafael - "
Modelos para jornalismo cidadão e uma análise do cenário brasileiro”
- Foschini, Ana e Taddei, Roberto (2006). - “
Você faz notícia”,
- Lasica, J.D - “
What is participatory journalism?”
- Lasica, J.D. - “
When webloggers commit journalism”
- Edmonds, Rick – “
As Blogs and Citizen Journalism Grow, Where’s the News?”
Labels: ciberjornalismo, internet, jornalismo do cidadão
1 Comments:
Boas.
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